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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O Bafo Desbocado - Sonetos

Um pouco de Bocage para aguçar a noite podre. Nada mais nostalgico que sonetos a boca da noite, ou sonetos eróticos se assim preferirem.
Bocage, considerado o segundo maior sonetista da Língua Portuguesa merece nossa atenção. 

Que novos dias de poesia possam vir, um brinde à bela Arte; 
O desbocado e putanheiro poeta, por José Vicente Barbosa du Bocage:



I [SONETO DO MEMBRO MONSTRUOSO]



Esse disforme, e rígido porraz

Do semblante me faz perder a cor:

E assombrado d'espanto, e de terror

Dar mais de cinco passos para trás:



A espada do membrudo Ferrabrás

De certo não metia mais horror:

Esse membro é capaz até de pôr

A amotinada Europa toda em paz.



Creio que nas fodais recreações

Não te hão de a rija máquina sofrer

Os mais corridos, sórdidos cações:



De Vênus não desfrutas o prazer:

Que esse monstro, que alojas nos calções,

É porra de mostrar, não de foder.




II [SONETO AO ÁRCADE FRANÇA]



No canto de um venal salão de dança,

Ao som de uma rebeca desgrudada,

Olhos em alvo, a porra arrebitada,

Bocage, o folgazão, rostia o França. (2)



Este, com mogigangas de criança,

Com a mão pelos ovos encrespada,

Brandia sobre a roxa fronte alçada

Do assanhado porraz, que quer lambança.



Veterana se faz a mão bisonha;

Tanto a tempo meneia, e sua o bicho,

Que em Bocage o tesão vence a vergonha:



Quis vir-me por luxúria, ou por capricho;

Mas em vez de acudir-lhe alva langonha

Rebenta-lhe do cu merdoso esguicho.




III [SONETO DE TODAS AS PUTAS]



Não lamentes, oh Nise, o teu estado;

Puta tem sido muita gente boa;

Putíssimas fidalgas tem Lisboa,

Milhões de vezes putas têm reinado:



Dido foi puta, e puta d'um soldado;

Cleópatra por puta alcança a c'roa;

Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,

O teu cono não passa por honrado:



Essa da Rússia imperatriz famosa,

Que inda há pouco morreu (diz a Gazeta)

Entre mil porras expirou vaidosa:



Todas no mundo dão a sua greta:

Não fiques pois, oh Nise, duvidosa

Que isso de virgo e honra é tudo peta.




IV [SONETO DO PAU DECIFRADO]



É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,

Bem que duas gamboas lhe lobrigo;

Dá leite, sem ser árvore de figo,

Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:



Verga, e não quebra, como zambujeiro;

Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;

Brando às vezes, qual vime, está consigo;

Outras vezes mais rijo que um pinheiro:



À roda da raiz produz carqueja:

Todo o resto do tronco é calvo e nu;

Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!



Para carvalho ser falta-lhe um U;   [carualho]

Adivinhem agora que pau seja,

E quem adivinhar meta-o no cu.





V [SONETO DO EPITÁFIO]



Lá quando em mim perder a humanidade

Mais um daqueles, que não fazem falta,

Verbi-gratia — o teólogo, o peralta,

Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:



Não quero funeral comunidade,

Que engrole "sub-venites" em voz alta;

Pingados gatarrões, gente de malta,

Eu também vos dispenso a caridade:



Mas quando ferrugenta enxada idosa

Sepulcro me cavar em ermo outeiro,

Lavre-me este epitáfio mão piedosa:



"Aqui dorme Bocage, o putanheiro;

Passou vida folgada, e milagrosa;

Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro".

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